Ao contrário do que as teorias apostavam, os receptores de estrogênio no cérebro não são desligados após a menopausa - Foto: iStock
Além do envelhecimento cronológico, as mulheres passam por um envelhecimento reprodutivo no início da meia-idade, a menopausa, durante o qual experimentam uma redução ao longo do tempo de hormônios ovarianos, como o estradiol, a principal forma de estrogênio que atua no cérebro. Estudos têm demonstrado que o estradiol está diretamente relacionado a mudanças no desempenho da memória e à reorganização dos circuitos cerebrais que regulam a função da memória.
Assim, mulheres e homens passam por diferentes processos de envelhecimento, especialmente no início da meia-idade, quando o envelhecimento reprodutivo é mais crítico para elas do que o envelhecimento cronológico. No entanto, o envelhecimento cognitivo raramente é considerado um problema de saúde da mulher.
Em média, as mulheres têm um desempenho melhor do que os homens nas medidas de memória verbal, começando já na pós-puberdade. No entanto, essa vantagem é reduzida com a menopausa. Muitas relatam maior esquecimento e "névoa cerebral" durante a transição da menopausa. Nos últimos 15 anos, um número crescente de estudos tem mapeado as formas complexas como a menopausa afeta o cérebro e o que ajuda a manter a memória intacta. A menopausa também reduz o nível de glicose no cérebro, o principal combustível utilizado pelas células cerebrais. O cérebro então recorre a outras fontes metabólicas para fornecer o combustível necessário para funcionar - isto é, se adapta a um novo ambiente hormonal para manter o funcionamento.
Além disso, mulheres com outras condições médicas, como diabetes e hipertensão, correm maior risco de declínio cognitivo. A investigação para compreender isto se centra, em parte, na forma como o cérebro e o corpo partilham processos semelhantes para produzir energia para funcionar (metabolismo) e como a pressão arterial e outros aspectos do sistema vascular funcionam de forma semelhante no cérebro e no corpo.
Aumento de receptores
Agora, algumas respostas podem estar surgindo. De acordo com dados encontrados num novo estudo publicado na revista Nature no final de junho, à medida que as mulheres passam pela menopausa, a quantidade de receptores de estrogênio em seus cérebros aumenta. Igor Padovesi, membro da North American Menopause Society (NAMS) e da International Menopause Society (IMS) conta que, ao contrário do que as teorias apostavam, os receptores de estrogênio no cérebro não são desligados após a menopausa.
Ele explica que o estrogênio é um hormônio-chave no sistema reprodutor feminino e na função cerebral. O 17β-estradiol (E2), a forma mais ativa, afeta processos cerebrais como cognição e envelhecimento, agindo nos receptores de estrogênio no cérebro. À medida que as mulheres passam pela menopausa, os níveis de E2 caem, impactando essas funções cerebrais e causando o que ficou conhecido como 'névoa cerebral'.
Durante a pesquisa, foram examinadas 54 mulheres saudáveis com idades entre 40 e 65 anos que estavam na pré-menopausa, na perimenopausa ou na pós-menopausa. Também foram realizados exames de ressonância magnética, exames de sangue para níveis hormonais e questionários sobre sintomas da menopausa.
"Os pesquisadores descobriram que à medida que as mulheres progridem na menopausa, a densidade de receptores de estrogênio em seus cérebros aumenta, atingindo o pico na pós-menopausa. Diferenças significativas na densidade desses receptores foram observadas em áreas-chave do cérebro, como hipófise e núcleo caudado. Essas alterações não foram afetadas pela idade, mas foram associadas ao estado da menopausa", comenta o ginecologista.
Hormônio em falta
Padovesi conta que o aumento dos receptores de estrogênio no cérebro indica justamente a falta do estrogênio. Essa é uma resposta do organismo à falta desse hormônio e essa é uma comprovação do efeito da importância do estrogênio na atividade e função cerebral, tanto que quando ele acaba depois da menopausa, os receptores aumentam numa tentativa do organismo de equilibrar, em um mecanismo de feedback negativo (quando algo falta, o organismo tenta aumentar os receptores com a intenção de pegar o pouco que resta).
"Então o receptor aumentar é um indício da falta do hormônio. Pela primeira vez, foi possível medir com sucesso a atividade do estrogênio no cérebro humano vivo. Isto marca um salto significativo na ciência e na medicina, particularmente na compreensão de como o estrogênio afeta a saúde do cérebro", completa o médico.
Ele enfatiza que, até então, não existiam tecnologias para medir diretamente a atividade do estrogênio no cérebro. Para preencher essa lacuna, os pesquisadores lideraram a aplicação da tomografia por emissão de pósitrons (PET) com 16α-18F-fluoro-17β-estradiol - uma técnica anteriormente reservada para oncologia - em estudos cerebrais. Com isso, o estudo também descobriu que uma maior densidade de receptores de estrogênio no cérebro pode dizer se uma mulher está na pré-menopausa ou na pós-menopausa, e que está relacionada a pontuações mais baixas de memória e problemas de humor e cognitivos em mulheres na pós-menopausa.
Reposição hormonal
Globalmente, o estudo destaca como a menopausa influencia a distribuição dos receptores de estrogênio no cérebro e o seu impacto nos sintomas cognitivos e relacionados com o humor.
"Isto muda profundamente a nossa compreensão de como o cérebro responde à menopausa. Além disso, a descoberta de que esses receptores permanecem ativos no cérebro até uma década após a menopausa sugere que a 'janela de oportunidade' para a terapia de reposição hormonal com estrogênio pode ser maior do que se pensava. Por isso, é fundamental buscar um ginecologista especialista no assunto para passar por uma avaliação e, se indicada, realizar a terapia de reposição hormonal com o devido acompanhamento, assim garantindo a segurança e eficácia do tratamento", finaliza Padovesi.
Pesquisa nacional
No site da Issviva, marca do grupo sueco Essity dedicada a desmitificar e quebrar os tabus que envolvem a menopausa, há uma pesquisa ainda ativa, na forma de quiz, que também traz algumas confirmações sobre menopausa e perda de memória. A enquete, que teve início em 21 de março de 2023, ouviu, até o momento, 99.902 mulheres brasileiras. A falta de memória foi apontada por 77% delas como um problema relacionado à menopausa. Outros sintomas de saúde mental e emocional assinalados foram confusão mental 25%, depressão 40%, ansiedade 83% e alterações de humor 87%. A opção "nenhuma das anteriores" foi apontada por 4%.
Estudos mostram que os problemas de memória aumentam no decorrer da idade e ficam mais latentes na fase da menopausa. Além disso, há fatores que intensificam os sintomas, como a já citada redução dos níveis de estrogênio, distúrbios do sono, fadiga, estresse agudo, ansiedade, mudança de humor, depressão crônica, quimioterapia, deficiência de vitamina B12, baixos níveis de hormônios que são produzidos pela glândula da tireoide, tabagismo, sedentarismo e suores noturno.
A falta de memória, além de impactar na saúde física e mental, também prejudica a vida profissional. Em pesquisas já realizadas pelo Grupo Essity, 62% das mulheres trabalharam em tempo integral, 18% delas trabalharam meio período, já 8% tiveram um período de licença devido à menopausa e 54% disseram ao empregador o motivo da licença. O sintoma da falta de memória também altera e intensifica outros fatores, por isso, deve ser considerado importante no momento em que a mulher estiver no seu esgotamento e precisar se recolher para cuidar de si.
Outros temas relacionados à menopausa investigados na pesquisa incluem a frequência de sintomas como cansaço, inchaço, calores/fogachos, suor noturno, dores musculares, falta de ar, dores de cabeça, rigidez articular, distúrbios do sono, ossos fracos, tontura, além de sintomas ligados ao bem-estar e ao prazer sexual (infecções urinárias, incontinência urinária, escapes de urina, baixa libido, secura vaginal, entre outros) e sintomas de autoimagem e beleza (problemas de pele, queda de cabelo, aumento de peso e outros).