Publicidade Davaca novo

Prováveis consequências do asfalto para Cumuruxatiba

Por Neuza em 03/11/2022 às 18:06

Prováveis consequências do asfalto para Cumuruxatiba

Há, de modo geral, uma grande dificuldade para os moradores das vilas pequenas brasileiras em suas locomoções de uma cidade a outra, muito por causa do tipo de estrada que lhe dá acesso, como é o caso de Cumuruxatiba.

Localizada no distrito de Prado, extremo-sul da Bahia, o vilarejo é composto, originalmente, por diversas comunidades indígenas e por pescadores e já tem 126 anos. O nome Cumuruxatiba significa na língua pataxó “alta variação das marés” e diz muito sobre o local, uma vez que nele é possível encontrar praias exuberantes, também por causa das marés e belezas naturais; há uma aproximação entre litoral e Mata Atlântica.

Todo esse cenário é vivenciado em uma tranquilidade e sossego difíceis de encontrar em outro lugar, o que a frase de Ivan Guerra sintetiza muito bem: Cumuruxatiba é “onde o tempo não tem pressa e a preguiça é mais gostosa”. Por isso, aqui tem sido um dos principais destino turístico da região há algum tempo, mesmo só tendo cerca de 6.000 habitantes. Entretanto, no dia 02 de setembro de 2022, o Diário Oficial da Bahia anunciou o início do projeto de pavimentação do trecho Cumuruxatiba/Prado e movimentou um pouco com nossa calmaria, já que esse projeto tem divido as opiniões dos moradores (atualmente, muitos não são nativos) sobre a chegada do asfalto até nossa vila.

O asfaltar será essencial para nós moradores, já que para sairmos da cidade é preciso enfrentar 32km de estrada de terra, e, quando chove, a dificuldade aumenta ainda mais. De modo que ele vai trazer diversos bônus, mas, para uma cidade que vive, cada vez mais, do turismo como principal fonte econômica, faz-se necessário entender também seus ônus, já que não há uma estrutura para mudanças tão bruscas. Assim sendo, torna-se de vital importância discutir sobre as transformações que acontecerão a alguns dos principais setores de Cumuruxatiba, que são saúde, turismo e comércio.

A princípio, o turismo será muito beneficiado (claro!), já que com o asfalto haverá muito mais acessibilidade para os visitantes, porém, deveria ser evidente que a saúde é prioridade para grande parte da comunidade, e, por isso, vamos falar, primeiro, sobre ela. Nesse sentido, é importante ressaltar que há apenas uma Unidade Básica de Saúde (UBS) para todo o distrito que já enfrenta dificuldades históricas no que concerne à prestação de serviço, uma vez que não há uma constância e padrão no funcionamento, e quando tem atendimento é bem mais básico do que se espera, além de limitar-se a poucos setores (algo que vem sendo modificado pela atual gestão da prefeitura).

Isso pode ser representado com perfeição pelo caso da moradora Arukia Carabalho que é professora na Vila e, durante sua gravidez, teve a necessidade de sair de Cumuru devido a um sangramento gestacional, no dia 09 de dezembro de 2021. Arukia foi obrigada, juntamente a dois outros enfermos, a usar um helicóptero fornecido pela prefeitura como forma emergencial por causa das fortes chuvas da estação que impossibilitaram a passagem pela estrada de terra. O que apenas prova a falta de atendimento especializado em relação à saúde na vila e à dificuldade de locomoção pela estrada.

Esse e outros casos não aconteceriam se já tivéssemos a pavimentação. Acrescenta-se que situações emergenciais tendem a aumentar com a chegada do asfalto porque o número de pacientes só irá aumentar e o posto ainda não tem estrutura, materiais e profissionais especializados para atender o fluxo progressivamente maior de pessoas que moram e turista na cidade. Esse problema não será resolvido, a não ser com mais investimentos do Município direcionado a prover serviços especializados ou, ao menos, fornecer recursos de maneira mais abrangente para a UBS atual, para que, para o primeiro momento, ela possa lidar com tais situações.

Pensando de outro modo, apesar da UBS não ser suficiente, o asfaltamento irá facilitar muito o acesso para lugares maiores, como Prado, Teixeira de Freitas, entre outros, o que diminuirá, consequentemente, a dependência das pessoas ao posto local, uma vez que ele não funciona 24 horas e não atende todos os tipos de necessidades. Portanto, junto ao asfalto, é imprescindível a estruturação e o aumento na diversidade do atendimento da Unidade Básica de Saúde de Cumuruxatiba.

Prováveis consequências do asfalto para Cumuruxatiba
Alunos responsáveis pelo artigo - Felipe Oliveira de Paula, Matheus Gonçalves Moreira, Theo Ramos Nogueira, Lila Ramos Nogueira, Elisa Castro Ferraz 

Voltando ao turismo, é importante lembrar que, com a chegada do asfalto, haverá uma maior movimentação pela cidade; isso será positivo, sem dúvida. Porém, muitos outros aspectos, também, serão afetados de maneira negativa por esse crescimento, seja por uma quantidade massiva de turistas, extrapolando até mesmo a infraestrutura da cidade, ou por um aburguesamento da vila, gerando o afastamento da população mais carente das praias e de suas residências atuais.

É valido enfatizar que, só com o anúncio do asfalto, já tivemos um aumento na procura de imóveis, apontando, assim, um aumento do processo de gentrificação. “Gentry” é um neologismo do inglês que significa aburguesar, um processo de elitização que aumenta a renda necessária para residir em certo ambiente, valorizando a região e afetando a população de baixa renda local, expulsando, por conseguinte, todos que não tem recurso financeiro para viver ali, ou seja, devido à especulação, certo grupo de pessoas terá que se desfazer de sua residência e procurar moradas distantes.

Além disso, a gentrificação causa um crescimento acelerado. O efeito desse fenômeno foi muito bem dramatizado na música “Lucro”, da banda Baina System, que retrata um rápido processo de gentrificação e as reações a ele, como no verso “subiu o prédio eu ouço vaia” que expõe a revolta daqueles que, aos poucos, se percebem não pertencendo aquele mundo de especulação imobiliária; vaiando a mudança desigual e desordenada. Já o turismo de massa consiste em um enorme fluxo de pessoas que vão ao mesmo tempo a uma mesma localização, os turistas podem ser tão numerosos a ponto da vila em si não ser capaz de arcar com as necessidades deles, gerando uma quantidade enorme de lixo e poluição em nossas praias e ruas e gerar, portanto, descontentamentos daqueles que vivem aqui pela sua especificidade.

De tal modo que ficaremos mais dependentes da prefeitura para a regulamentação e coleta do lixo, o que é, no mínimo, perigoso, já que o sistema básico de coleta já não é dos melhores e tende a piorar nesse fluxo. Entendemos que, com o aumento da cidade, ficaremos à mercê da gestão da prefeitura para que esse processo seja positivo para todos, inclusive para o Meio Ambiente. Em outra perspectiva, esperamos que o aumento do turismo proporcione maiores oportunidades de emprego para os moradores da vila, e, por conseguinte, melhore a qualidade de vida de todos (pelo menos, essa é a ideia).

Outrossim, em relação à atividade comercial, a vinda do asfalto até Cumuruxatiba deverá impactar diretamente esse setor, que pode ser analisado por duas perspectivas: oportunidades turísticas e baixa no preço dos produtos e dos serviços. No primeiro caso, teremos o surgimento de novas atrações para o turismo, tal como os passeios de buggy, o aumento das visitas guiadas as aldeias, diversidades nas opções de restaurantes, hospedagens e mercados.

O que provavelmente não acontece devido ao grande investimento e ao baixo retorno, se contarmos o número de moradores e turistas de hoje. Nessa lógica, teremos, também, um turismo mais popular no distrito, o que é uma grande oportunidade de negócio, porém pode acabar diluindo a essência calma e pacata da vila de Cumuru, caso o poder público não o acompanhe de perto e com planejamento.

Sobre o segundo ponto, baixa do preço de produtos e serviços, nos permita uma menção a Adam Smith, pai do liberalismo econômico, “o preço de uma mercadoria específica é regulado pela proporção entre a quantidade que é efetivamente colocada no mercado [oferta] e a demanda daqueles que estão dispostos a pagar o preço natural da mercadoria”. Seguindo essa lógica, ao aumentar a disponibilidade e a concorrência de um bem ou serviço no mercado, o seu valor diminui exponencialmente.

Desse modo, ao criar mais serviços e bens para atender o aumento da demanda, os preços tendem a diminuir (será?), isso gera não só mais atratividade para os turistas, como, igualmente, esperamos uma melhora no padrão de vida dos moradores. Além desses impactos, o asfalto vai facilitar as compras de itens mais específicos que aqui não têm, haja vista que será gasto menos combustível para sair e entrar de Cumuru, sem contar que a frequência com que se consertam os carros será menor, desde que a manutenção da estrada seja feita periodicamente pelo município.

Destarte, percebe-se que a saúde, o turismo e o comércio em Cumuru serão afetados estruturalmente com a chegada do asfalto; além de outros setores não discutidos aqui. No entanto, o mais importante é que nossa comunidade continue sendo o que é, uma vila charmosa, calma e aconchegante, um lugar para onde as pessoas vêm para respirar tranquilidade, sair da bagunça da cidade grande. Nesse sentido, o asfalto e suas alterações serão muito bem vindos, desde que tenhamos o apoio e o suporte da prefeitura de Prado para nos auxiliar nesta grande mudança.

Fonte: Felipe Oliveira de Paula, Matheus Gonçalves Moreira, Theo Ramos Nogueira, Lila Ramos Nogueira, Elisa Castro Ferraz  

Tags:   Consequências do asfalto Cumuruxatiba
publicidade