Imagem: Antonio_Diaz/iStock
A ideia de que sofrer com cólicas fortes é normal está tão arraigada no imaginário humano que, por causa dela, todos os anos milhares de mulheres deixam de descobrir que têm uma doença potencialmente grave: a endometriose.
No mundo, uma a cada dez mulheres sofre com este problema, que causa dores abdominais por vezes incapacitantes, e nos casos mais avançados, a obstrução de órgãos.
O desconforto no sexo também é um dos principais sintomas. Um estudo recente realizado pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) mostra que a frequência de relações sexuais e de satisfação nelas é ao menos 30% menor nas mulheres com endometriose do que naquelas sem a doença.
Especialista alerta para problemas recorrentes
Quem conduziu essa e outras pesquisas foi o professor Eduardo Schor, mestre, doutor e coordenador do Setor de Endometriose do Departamento de Ginecologia da Unifesp.
“No Brasil, 50% das mulheres com endometriose têm algum grau de depressão. Essa mulher sente dor e todo o mundo acha que é frescura. Às vezes, ela chega a perder o emprego. Temos que estar atentos”, diz.
Para ele, um dos principais problemas da endometriose no país é a demora no diagnóstico pela falta de conhecimento.
Por que estão aumentando os casos de endometriose no Brasil?
— Na verdade, a gente não sabe se estão aumentando. Temos feito muito mais diagnósticos, e temos muito mais conhecimento sobre a doença. Então não sabemos se a doença está realmente aumentando ou se a gente está reconhecendo-a mais.
Quanto tempo em média uma mulher demora para conseguir o diagnóstico correto de endometriose?
— Um estudo recente que fizemos na Unifesp diz que são 61 meses entre o primeiro sintoma e o diagnóstico. A mulher fica sem tratamento nenhum por cinco anos e, quando consegue o diagnóstico, a doença já está avançada. Aí resposta ao tratamento medicamentoso é mais difícil, e a gente acaba pendendo mais para a cirurgia.
Por que essa demora?
— Primeiro pelo desconhecimento da população leiga dos principais sintomas da doença e pela desvalorização da cólica pela classe médica. É super frequente eu receber mulheres que estão se queixando de cólica há cinco anos e os médicos falam que não é nada, que é normal. Existe um consenso de que menstruar com dor faz parte do universo feminino. Muitas vezes a mulher reclama e o médico não dá bola.
Entre os exames mais pedidos pelos ginecologistas está o ultrassom. A endometriose aparece no ultrassom?
— No ultrassom convencional, a endometriose não aparece, nem mesmo nos casos mais avançados. Só quando a doença está no ovário. É preciso fazer um ultrassom especializado para detecção da doença, com preparo intestinal, ou a ressonância magnética.
Dor no sexo é um sintoma só dos casos mais avançados?
— Não. Tanto essa dor quanto a cólica são progressivos e vão aumentando com o avanço da doença. Começa com um desconforto na profundidade e vai piorando ao ponto de se ter aversão à relação sexual.
O que de pior pode acontecer com uma mulher que tem endometriose grave?
— Obstrução de ureter, com o risco de perder os rins, e obstrução de intestino. Mas o mais comum são anos de baixa qualidade de vida. O problema é que são poucos os centros que fazem o tratamento. Na Unifesp, por exemplo, a espera é de cinco a seis anos para uma paciente ser operada.
Como se decide se é preciso operar?
— É preciso não responder ao tratamento medicamentoso, e aí não sou eu quem decide a cirurgia, mas, sim, a paciente, que se cansa da dor. Se você perguntar para mim qual a cirurgia ideal da endometriose, a resposta é tirar o útero, o ovário e a doença. Só que eu não devo fazer isso. A expectativa da mulher hoje é de mais de 80 anos, então as consequências de tirar o ovário de uma jovem de 35 ou 40 anos são 40 anos de menopausa. Se eu tiro o útero dela, a vida dela continua igual, e eu só acabo com a possibilidade de gravidez. Se eu tirar o ovário, não, porque a consequência da falta hormonal é muito maior. O ovário estimula o endométrio, mas ele não é a causa da endometriose, e sim o que alimenta a doença.
Operar cura a doença?
— Não. Toda vez que eu vou operar uma mulher, ela me pergunta no final da consulta se a doença pode voltar. E sempre pode. Temos uma média de 30% de recidivas em cinco anos.
Toda mulher com endometriose terá dificuldade para engravidar?
— Não. Geralmente isso acontece, mas algumas engravidam sem problemas, mesmo com a doença. É óbvio que, quanto mais doença tiver, mais dificuldade vai ter.
O que precisa acontecer para mudar o panorama das pacientes de endometriose no Brasil?
— Primeiro, uma maior conscientização dos médicos. A Sociedade Brasileira de Endometriose está saindo país afora para dar o primeiro passo, que é alertar sobre a doença. Também queremos instrumentalizar os médicos a fazer o diagnóstico correto e a tratar direito a doença. Temos o Clube da Endometriose, uma reunião transmitida pelo Facebook, onde a diretoria responde perguntas, e, com o apoio da indústria, fazemos as Endotrips, que são cirurgias de endometriose avançada em São Paulo e transmitidas para outra cidade, com alguém da diretoria comentando para os médicos. A sociedade não cobra anuidade, então a única fonte de renda que temos são os eventos.