O diretor do Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI) do Ministério da Justiça, Ricardo Andrade Saadi, disse nesta sexta-feira (17/4) que o tráfico de pessoas motiva menos de 5% dos pedidos de cooperação jurídica internacional feitos pelo Brasil por meio do órgão. O tema também não é um dos que mais motivam pedidos de cooperação jurídica feitos por outros países ao DRCI, sendo o oitavo entre os mais demandados.
Segundo Saadi, que participou, em Fortaleza/CE, do V Simpósio Internacional para Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, 30 pedidos de cooperação jurídica internacional foram feitos pelo Brasil, nos anos de 2013 e 2014, envolvendo o tráfico de pessoas. Nesse mesmo período, foram recebidos 14 pedidos de cooperação jurídica envolvendo casos de tráficos de pessoas. O principal destino dos pedidos feitos pelo País é a Espanha, que também lidera as solicitações encaminhadas ao Brasil, seguido pela Itália.
"Dos pedidos que tramitam no DRCI, a maioria deles envolve promessas de trabalho e ganhos elevados e as vítimas, quando chegam ao destino, encontram situações péssimas de trabalho e ficam em cárcere privado. Muitas vezes também têm os documentos retidos”, afirmou Saadi, ao participar do painel sobre Cooperação Jurídica Internacional, coordenado pelo conselheiro Guilherme Calmon, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Os pedidos geralmente envolvem compartilhamento de provas, interrogatórios de réus, depoimentos de testemunhas e a implementação de medidas cautelares sobre bens, entre outras possibilidades.
O evento, promovido pelo CNJ e pelo Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, reuniu, nesta quinta e sexta-feira, especialistas e membros dos órgãos envolvidos no enfrentamento ao tráfico de pessoas, como magistrados, promotores, defensores públicos e autoridades do Poder Executivo.
O diretor do DRCI, órgão que centraliza os pedidos de cooperação jurídica internacional feitos pelo País, defendeu a importância da cooperação internacional para o enfrentamento às grandes organizações criminosas, inclusive as que atuam no tráfico de pessoas. "Os membros das grandes organizações criminosas estão sempre em mais de um país”, afirmou.
De acordo com Saadi, em geral os crimes são cometidos no Brasil mas os recursos provenientes do crime são guardados no exterior, por isso a importância da cooperação entre os países. "Os recursos que a organização consegue praticando o crime são usados para refinanciar o crime e para benefício pessoal dos membros, por isso um combate eficiente passa pela descapitalização da organização criminosa”, disse.
Modalidades – Segundo a diretora técnica do Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, Thamara Duarte Cunha Medeiros, que participou do painel "Tráfico de Pessoas no Brasil: Diagnóstico e Metodologia Integrada”, hoje as principais modalidades de tráfico de pessoas existentes são o trabalho escravo, o tráfico para remoção de órgãos e tecidos, a exploração sexual, a mendicância e a adoção ilegal.
A diretora citou pesquisa realizada pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) que mostra um aumento no número de tráfico de pessoas para trabalho escravo. "Até 2012 havia uma diferença significativa entre tráfico para exploração sexual e para trabalho escravo. Hoje estas duas práticas estão praticamente no mesmo patamar”, disse.
Suriname, Suíça, Espanha, Holanda, Itália e Portugal são os países com o maior número de denúncias de vítimas brasileiras feitas aos consulados e embaixadas brasileiras, segundo a diretora. Ainda de acordo com ela, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul são os estados onde mais ocorrências de tráfico de pessoas foram registradas.
A maioria das vítimas seriam mulheres, entre 10 e 29 anos de idade, solteiras, de baixa escolaridade e que vivem em áreas precárias das grandes zonas urbanas. As informações, segundo a diretora, fazem parte de levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2011. Ela falou ainda sobre as dificuldades enfrentadas para a produção de dados sobre o tráfico de pessoas. "Os registros que temos não representam a realidade”, disse.
Entre as dificuldades apontadas está a falta de entendimento dos agentes públicos sobre o que é delito e os principais conceitos envolvidos na questão, as diferentes formas de registro feitos pelos órgãos envolvidos e dificuldades relacionadas às vítimas, como o medo de a pessoa ser deportada, presa ou tratada como prostituta. "Muitas vezes as vítimas não denunciam porque não sabem como denunciar, não conhecem o idioma, não conhecem a cultura do país. Tudo isso faz com que esse crime fique ainda mais velado”, afirmou.