Na sequência de uma tendência mundial, o Brasil já vive uma epidemia de obesidade. E o pior é que poderá sofrer males ainda maiores, pois a nova geração pode multiplicar o número de homens e mulheres acima do peso.
Estudo recente publicado na revista científica Lancet revelou que um quinto da população brasileira adulta, ou quase 40 milhões de pessoas, é obesa. A pesquisa, coordenada por cientistas do Imperial College London, comparou o Índice de Massa Corporal (IMC) de cerca de 20 milhões de homens e mulheres de 1975 a 2014.
O estudo conclui que há mais adultos no mundo classificados como obesos do que como abaixo do peso. E o mais grave: a pesquisa indica que um quinto dos adultos do mundo será obeso em 2025 e que as chances de atingir as metas da ONU para frear a obesidade nos próximos dez anos são "virtualmente zero". Ou seja, estamos perdendo o jogo contra a obesidade. Em menos de dez anos, um entre cada cinco adultos no mundo será obeso.
No Brasil, as mulheres formam a maioria da população obesa: em 2014, 18 milhões estavam com sobrepeso, o que representa 23% da população do país. Entre os homens, o índice é de 17% (11,9 milhões). Isso representa que o Brasil está entre os países mais obesos do mundo. Entre os homens, só fica atrás de China e EUA; entre as mulheres, o Brasil fica em quinto, atrás também de Rússia e Índia.
Esses números só reforçam a tese de que o corpo humano não foi feito para ficar sem movimento. E o sedentarismo e a vida agitada das grandes cidades são fatores que favorecem esse cenário grave. Porém, também há ferramenta eficaz que pode combater a obesidade e a série de doenças e males a saúde que ela provoca: a informação. Ela se refere às aulas de educação física escolar, na qual muitos acreditam ser o local para jogar bola e extravasar, que seguem modelos de instituições para a idade adulta onde nada se contribui para a educação de pessoas sedentárias, oferecendo apenas as instalações e serviços para quem já é ativo.
Sem informação, o exercício vira algo mecânico, chato, cansativo e doloroso, sem que as pessoas percebam seu real benefício.
O treinamento para desenvolver os músculos é uma das atividades mais eficazes de combate ao excesso de peso. Com o desenvolvimento da musculatura, o novo tamanho do músculo exige e consome mais calorias para sobreviver durante todo o dia, acelerando o metabolismo e a perda de calorias, provocando a redução de massa gorda.
Contudo, outras atividades são igualmente importantes nesse processo. Vale caminhada, corrida, musculação, natação ou ciclismo, por exemplo. E pode ser em grandes ou pequenas academias, no condomínio, parques ou praias. O importante é se movimentar e o fazer com prazer, para que possa ser incorporado definitivamente na rotina, de forma que não seja mais um sacrifício.
O corpo humano tem uma compleição e um tamanho que são compatíveis com um esforço muito maior daquele que fazemos hoje em dia. Sem esse esforço, há o acúmulo de energia com excesso de calorias provindas da alimentação.
O estudo recente evidencia ainda outro fenômeno que vivemos nas últimas décadas: crianças e adolescentes que se transformam em adultos obesos. Isso acontece, de novo, porque a base estrutural da educação física escolar no país é fraca. Infelizmente, temos aí um obstáculo cultural, onde não se dá a devida importância para a educação física na base escolar como disciplina com conteúdo teórico para ensinar. Levar essa disciplina como simples momento de recreação é um grande mal que a escola e a sociedade podem fazer para a formação do cidadão saudável, produtivo, o que desoneraria as instituições estatais de saúde.
É preciso romper essa barreira cultural e revolucionar a educação física desde a sua base. Para isso, é fundamental tirar a zona de conforto de diversos profissionais. Existe a ideia de que a educação física escolar é usada para praticar esportes e modalidades das quais muitos não gostam, sem entender a relevância que esses movimentos têm para sua vida.
Ainda existem profissionais que acreditam que ensinam alguma modalidade em aula, mas, a grande verdade é que quando se entende um pouco sobre processos de aprendizagem, desenvolvimento e controle motor, fica claro que em uma aula de 45 minutos uma ou duas vezes por semana, com 40 crianças juntas e um único professor, fica praticamente impossível ensinar alguma habilidade, ainda mais relacionadas aos jogos esportivos, que envolvem interação espaço-temporal e uma série de variáveis que fogem totalmente do controle.
Não há qualquer problema de a criança se movimentar na hora da educação física escolar. Porém, ela primeiro deve entender como o seu corpo funciona, qual é a necessidade de se movimentar, como se regula uma intensidade para tal movimento, como pode aprender ou desenvolver suas habilidades ou as habilidades que mais gosta de maneira eficiente, para que possa jogar melhor com seus amigos nos momentos de lazer, etc. Se as crianças entendessem isso desde pequenas, elas cresceriam com a ideia de que o corpo todos os dias vai precisar fazer algum movimento mais intenso.
Deve existir o momento de brincar, correr ou praticar algum jogo dentro da escola. A questão é que tal momento só acontece durante a aula de educação física, onde há muito conteúdo útil para ser ensinado e que influenciará na mudança de comportamento dos alunos.
A educação como um todo precisa ser reavaliada. O ajuste da grade de aulas deve ser feito de modo que se consiga liberar algum horário para o necessário momento de lazer, fora da aula de educação física.
Sem dúvidas, esse processo leva tempo, mas precisa começar imediatamente para não corrermos o risco de termos uma geração de obesos nas próximas décadas. O corpo precisa de uma quantidade de movimentos todos os dias. E se não fizer, ele envelhece mais rápido. É fato que as pessoas que conseguem somar cerca de 15 a 30 minutos de atividade física diária, seja no trabalho, em casa ou na academia, conquistam um corpo mais saudável e chegam a prolongar a vida por mais três ou quatro anos.
A atividade física só nos traz reflexos positivos. Qualquer tipo de atividade que englobe um esforço físico maior terá como resultado musculatura mais forte, melhor circulação de sangue e maior consumo de energia. O que resulta em uma série de benefícios para a saúde ao longo da vida. Aliada a uma alimentação saudável, certamente fará com que esses números alarmantes da obesidade não avancem.
*Cristiano Parente é professor e coach de educação física, eleito em 2014 o melhor personal trainer do mundo em concurso internacional promovido pela Life Fitness. É CEO da Koatch Academia e do World Top Trainers Certification, primeira certificação mundial para a atividade de educador físico.